O adoecimento do professor da Educação Básica no Brasil: apontamentos da última década de pesquisas

Foto: Reprodução/ Internet

A Psicologia tem apontado cada vez mais para a importância do trabalho na vida mental dos indivíduos, bem como a influência de fatores laborais na saúde e qualidade de vida destes. O adoecimento psicológico por meio do trabalho tem ressaltado cada vez mais a necessidade de investigações quanto aos fatores prejudiciais à saúde mental do trabalhador presentes nas atividades ocupacionais (Codo, 2007). Uma das profissões que provocam forte preocupação referente à saúde mental é a docência, especialmente em relação aos profissionais que atuam na Educação Básica brasileira.

A atuação no campo da Educação envolve um enorme contingente de desafios e responsabilidades ao trabalhador, uma vez que o profissional se depara com inúmeras situações que vão além do ato de ensinar. Adentram na escola os reflexos de todas as mazelas sociais, que envolvem as famílias, os alunos e mesmo o ato de ensinar. Adoecido, o professor, formador de todos os demais profissionais, se vê sem condições de exercer a profissão que escolheu para a sua vida, deixando também a escola e a sociedade carentes de sua contribuição social (Carlotto, 2010).

O professor do nível básico de ensino possui papel significativo para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social de crianças e adolescentes, uma vez que a fase da escolarização é fundamental na constituição psicológica destes, é também o principal mediador do aluno ante a educação formal. Considerando-se a relevância do papel social dos professores, entende-se o impacto que o adoecimento docente acarreta não somente ao trabalhador, mas também à escola e a sociedade como um todo (Tardif, 2005).

Na atualidade, a Psicologia tem sido convocada ao espaço escolar e educacional para auxiliar esse profissional diante das problemáticas que permeiam o fazer docente. São inúmeras as queixas da escola, e uma das mais preocupantes é, sem dúvida, a adoecimento psicológico do docente pelo trabalho. Diante destas constatações, é válido questionar: o que as pesquisas têm apontado em relação à saúde mental do professor de Educação Básica no Brasil? Quais fatores têm sido apontados como contribuintes para o adoecimento do professor no Brasil nos últimos 10 anos, levando-o ao adoecimento e mesmo ao abandono da profissão?

Compreender o que tem levado o docente brasileiro ao adoecimento é fundamental para se fortalecer ações de prevenção e promoção de saúde a esse trabalhador, contribuindo também na melhoria da qualidade da Educação Básica no Brasil. O olhar para as pesquisas da última década permite uma visão mais ampla dos problemas que tem persistido no dia a dia do trabalho docente, trazendo sofrimento a este profissional, avanços e retrocessos em saúde mental no trabalho, bem como os pontos que ainda necessitam de maior investigação.

Dessa forma, a presente pesquisa se propôs a realizar uma revisão sistemática da literatura como objetivo de identificar os principais sinais e tipos de adoecimentos mentais em professores brasileiros da Educação Básica e seus fatores associados, apontados em estudos dos últimos 10 anos. Para tal, foram selecionados 25 artigos das bases de dados da SciELO, BVS, Lilacs, os quais foram triados criteriosamente a fim de compor a presente revisão. Este trabalho aborda também a relação saúde mental e trabalho, especialmente no caso do professor de Educação Básica no Brasil, atentando para as questões epidemiológicas e fatores causais que comprometem o trabalhador do campo educacional. Dessa forma, a pesquisa pretende contribuir com a questão da saúde mental do docente no Brasil.

Trabalho, estresse e adoecimento


A atividade laboral não se constitui apenas como tarefa cotidiana dos indivíduos para a garantia de seu sustento e sobrevivência, mas também possui um papel de importância na sua vida mental. O trabalho confere um significado à vida do trabalhador e possui a capacidade de integrar à identidade social de cada individuo, da qual depende muito de sua autoestima e autoconceito. Desse modo, se constitui como um importante fator para a saúde dos sujeitos, para o seu desenvolvimento emocional, moral e cognitivo, assim como para o seu reconhecimento em sociedade (Figueiras; Hipert, 2007). Codo (2007) destaca a forma como o trabalho organiza a vida mental do indivíduo, o qual possui uma relação dupla de transformação entre o homem e a natureza.

Todavia, tem-se reconhecido fatores de risco à saúde mental do trabalhador presentes na organização do trabalho, o que tem chamado a atenção dos serviços de vigilância em saúde, uma vez que se verifica o impacto de características presentes no trabalho sobre a qualidade de vida do trabalhador (Sato, 2005). A partir da perspectiva dos estudos epidemiológicos, vem aumentando o número das pesquisas e análises que demonstram a relação do trabalho como o adoecimento psiquiátrico, a qual é reconhecida também pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Seligman-Silva, 2016).

O nexo causal entre trabalho e doença tem-se estabelecido como uma área delicada de estudo, uma vez que implica a afirmação de causalidade entre as duas variáveis, ou seja, a afirmação do trabalho como um agente capaz de causar adoecimento ao indivíduo. Essa relação é ainda mais delicada quando se fala no adoecimento mental, uma vez que leva a questionar se o adoecimento pode ser decorrente de características particulares da psique do sujeito ou se realmente determinados ambientes e dinâmica de trabalho acarretam prejuízos à saúde mental (Jaques, 2007).

Segundo Jacques (2007), a Psicologia precisou ressignificar a relação entre saúde mental e trabalho, uma vez que, no início da história dessa ciência, o trabalho ocupava uma posição secundária, restringido este a um campo de aplicação dos conhecimentos psicológicos ou como um dos indicativos de uma normalidade e adaptação. Porém, segundo a autora, com o advento da Revolução Industrial e a implantação dos modelos taylorista e fordista, foi-se identificando o trabalho como uma potencial fonte de sofrimento, contribuindo então para a visibilidade aos efeitos do trabalho sobre o psiquismo.

Essa percepção também se deu através dos estudos sobre o estresse, que tomou uma relação importante na conexão entre trabalho e saúde. Selye (1907-1982), endocrinologista canadense, foi precursor nos estudos dos efeitos do estresse nos organismos, que o definiu como “o estado manifesto por uma síndrome especifica que consiste em todas as mudanças não especificas induzidas dentro de um sistema biológico” (Selye, 1965, p. 54, apud Benevides-Pereira, 2002, p. 25). Desse modo, o estresse ocorre quando o indivíduo avalia que as demandas internas ou externas excedem a sua capacidade para lidar com elas (Lazarus, 1995, apud Machado et al., 2013).

Selye comparou o estresse com o conceito da física de pressão, esforço ou tensão, resultando em deformidade. Seria este, então, “o estado de um sujeito que resulta da interação do organismo com os estímulos ou circunstâncias nocivas ambientais” (Wallau, 2003, p. 23). O estresse não é de todo negativo para o indivíduo, pois é uma resposta natural do organismo ante um estimulo estressor. Um processo de ajuste adaptativo deste a fim de retornar ao estado de equilíbrio, tendo então a função de ajustar a homeostase do organismo e de melhorar sua capacidade para a sobrevivência (Benevides-Pereira, 2002).

Segundo a teoria de Selye, o estresse seria decorrente da Síndrome de Geral de Adaptação (SGA), a qual consiste em reações sistemáticas do corpo diante de situações estressoras, podendo desenvolver-se em três fases:

Fase de Alarme, quando ocorre imediatamente após o reconhecimento de uma situação estressora;
Fase de Resistência, visando reduzir a situação de estresse mobilizando defesas naturais do indivíduo, na qual nota-se maior ansiedade, irritabilidade no individuo;
Fase de Esgotamento ou Exaustão, em que o organismo tem esgotado os seus recursos e perde progressivamente sua capacidade de defesa diante do estresse, gerando adoecimento. É neste último estágio em que, diante de um estado crônico de estresse, pode surgir o que foi denominado síndrome de burnout (Wallau, 2003).
Wallau (2003) chama a atenção para o estresse que ocorre devido às demandas e características presentes no trabalho, o estresse ocupacional. A autora traz o estresse no trabalho como um fenômeno pessoal e social cada vez mais frequente, que acarreta consequências significativas em nível intelectual e organizacional, além de expandi-las para as demais áreas da vida do indivíduo, ocasionando, além de problemas mentais, doenças físicas (Wallau, 2003).

A síndrome de burnout é decorrente da cronificação de um estado de estresse e está associada diretamente à atividade laboral exercida pelo indivíduo, mais comumente encontrada em ocupações assistenciais, como na área da saúde e educação. Este é um tipo de adoecimento comumente referido quando se aborda a influência do trabalho na saúde mental dos indivíduos, além de uma série de outros acometimentos biopsicossociais decorrentes das atividades laborais dos sujeitos (Benevides-Pereira, 2002).



Vasconcelos (2008) ressalta que o aumento de registro de doenças relacionadas ao trabalho a cada ano, bem como as modificações nas relações sociais de produção, tem instigado os pesquisadores a investigar a relação entre o surgimento de doenças (físicas, mentais ou psicossomáticas) e a organização do trabalho. Atualmente, existem cerca de 12 grupos de doenças mentais na relação específica dos transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho, destacando-se o alcoolismo crônico, episódios depressivos, estados de estresse pós-traumáticos, neurastenia (síndrome da fadiga crônica), neurose profissional, transtornos do sono e a síndrome de burnout (Brasil, 2001).

Kelen Braga do Nascimento

Psicóloga (Ulbra, câmpus Santa Maria), pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental (Instituto Cognitivo), psicoterapeuta clínica.

Carlos Eduardo Seixas

Mestre em Psicologia da Saúde (UFSM), especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (Instituto WP), professor de cursos de aperfeiçoamento e especialização, formado em Terapia do Esquema (Instituto WP), psicólogo (Universidade Franciscana), docente em pós-graduação (Instituto Cognitivo), ex-membro da Comissão de Saúde Mental de Santa Maria, membro da Sociedade Brasileira de Terapias Cognitivas, psicoterapeuta clínico cognitivo-comportamental

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