A história da indústria automobilística brasileira tem poucos nomes conhecidos — como Comandante Lúcio Meira, Wolfgang Sauer e André Beer — e outras centenas, até milhares, de anônimos. Personagens que foram importantes, cada um a seu tempo, em suas passagens por várias empresas e fábricas, mas que acabaram caindo no ocaso por um sem número de razões.
Um representante especial desse enorme segundo grupo é um personagem não exatamente anônimo: seu nome era Marcílio da Cruz Lopes, mas todos o conheciam pelo apelido de Fritz.
Era uma alcunha irônica, já que se tratava de um homem negro de pele bem escura — e Fritz é um nome comum para homens alemães, geralmente de pele muito clara.
Mas a razão para o apelido não era apenas essa. Quando era pequeno, Fritz foi adotado pelo casal Noack, imigrantes alemães de Joinville, Santa Catarina, que lhe ensinaram seu idioma natal. Ou seja: Fritz era um brasileiro negro que falava alemão tão bem quanto o português.
No início dos anos 1950, Fritz veio para São Paulo sem um tostão no bolso e arrumou um servicinho como lavador de carros em uma nova empresa que havia se instalado em um galpão alugado na Rua do Manifesto, no bairro do Ipiranga: Volkswagen do Brasil.
Um belo dia, o então presidente da empresa, o alemão Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk, foi pegar seu Fusca recém-lavado. Fritz não perdeu a oportunidade e lhe perguntou em bom alemão se o serviço estava bem-feito. Schultz-Wenk, é claro, a princípio não acreditou, mas logo percebeu que ali, bem à sua frente, estava um humilde trabalhador brasileiro que falava sua língua — algo raríssimo até hoje.
Fritz então passou a ajudar na montagem dos Fuscas (que vinham desmontados, em um processo chamado CKD, da Alemanha) e não raro atuava como uma espécie de ponte entre a diretoria e, digamos, o chão de fábrica — ainda que ali houvesse, à época, apenas poucos funcionários.
Galpão da Volkswagen na Rua do Manifesto, primeiro emprego de Fritz em São Paulo —
Tornou-se notável a expressão “Fritz, komm her!” (“Fritz, venha cá!”), que Schultz-Wenk sempre bradava quando algo era necessário. Um dos casos mais notórios foi quando chegou a primeira Kombi em CKD, cujas instruções de montagem estavam, naturalmente, em alemão.
E foi assim que Fritz, ou Marcílio, se tornou o primeiro brasileiro a fazer parte do livro-registro de funcionários da Volkswagen do Brasil.
Por: G1